Auto-mutilação, traumas, seres futuristas e fantásticos: meus livros preferidos de 2022

Ano passado li de um tudo

Regiane Folter
7 min readJan 13, 2023

Fantasia, feminismo, romances ardentes, reflexões sobre a pandemia. Livros mamão com açúcar pra passar o tempo, livros de business e desenvolvimento profissional. Best-sellers, publicações independentes. Quadrinhos, ensaios, novelas, poesia. Alguns tinham poucas páginas, outros foram trilogias. Autores e autoras cujas ideias me acompanharam durante o ano inteiro, em aeroportos, em casa, no ônibus, na rua, na chuva, na fazenda, e por aí vai.

Gostei de quase tudo que li, como podem ver nas frequentes 5 estrelas que dou pros livros lá no GoodReads. Que, inclusive, faz um resumo muito bacana das nossas leituras do ano e nos estimula com seu desafio anual. Se esse tipo de coisa te motiva, recomendo. Não cheguei na minha meta em 2022, mas ainda assim considero que foi um ano bastante produtivo e fico especialmente feliz de ter conhecido os cinco trabalhos que quero citar aqui.

Bora lá pra esse top 5:

Órfãos do Apocalipse, Alline Souza

Leitura gostosinha demais escrita por uma colega autora independente que não podia faltar nessa lista! Órfãos do Apocalipse narra a história do casal Théo e Gustavo, que do Brasil ganham os universos (sim, no plural!) quando nosso planeta termina sucumbindo depois de tantos séculos de pouco caso e destruição. Os dois astronautas, porém, conseguem escapar do fim do mundo e, embora estejam lidando com a perda de tudo aquilo que conheciam, logo precisam enfrentar novos desafios em aventuras intergalácticas com seres de outros planetas.

Ri e chorei com as presepadas que os personagens principais vivem, e a mensagem mais forte que levo da leitura é sobre diversidade e esperança. Mesmo que as coisas estejam de pernas pro ar e caindo aos pedaços, sempre encontraremos pessoas (ou alienígenas) com os quais contar e seguir em frente. Sempre podemos criar nossas próprias versões de família pra nos sentirmos acolhidos e amados.

“Com um estrondo que mais parecia um trovão, daqueles que eletrificam o ar e que reverberam até a alma, o solo começou a se abrir e ameaçava engolir tudo que estivesse em seu caminho. Um cenário que não era difícil de visualizar em filmes de ficção científica e que se tornou realidade em um sopro do destino. A fenda atravessava o terreno e rasgava com a mesma facilidade como se fosse feito de tecido desgastado. O planeta se repartia e a Natureza gritava, tomando para si de volta tudo que emprestara à humanidade, sem receber em troca a dedicação que ela exigia”.

Fome: Uma Autobiografia do (Meu) Corpo, Roxane Gay

Conheci a literatura de Roxane Gay aqui no Medium e de cara sua forma crua e direta de escrever me chamou a atenção. “Fome” é exatamente assim: um relato áspero que toca temas como abuso, trauma, gordofobia, racismo, entre outros. Me identifiquei com algumas das situações vividas pela autora, especialmente com suas inseguranças em relação ao seu corpo e como o mundo o enxerga, um tema muito comum e frequentemente uma fonte de ansiedade e transtornos para nós mulheres.

A autobiografia dessa mulher gorda, negra e vítima de tantas violências é uma verdadeira lição de resiliência e autoconhecimento que me emocionou. Assim como suas vitórias como autora e feminista internacionalmente reconhecida me inspiraram. O principal aprendizado que tirei do livro foi sobre como o feminismo não é só uma eleição, mas também um processo cheio de altos e baixos que vale a pena porque nos ajuda a nos libertar dos mandatos que o patriarcado insiste em nos obrigar a seguir.

“O que eu sei e o que sinto são duas coisas muito diferentes. Sentir-me confortável no meu corpo não tem a ver só com padrões de beleza. Não é inteiramente relativo a ideias. Tem a ver com a forma como me sinto em minha pele e em meus ossos um dia de cada vez. (…) Meu corpo é uma jaula. Meu corpo é uma jaula feita por mim mesma. Eu ainda estou tentando descobrir um jeito de sair dela. Venho tentando descobrir uma saída há mais de vinte anos”.

Deuses Americanos, Neil Gaiman

Conheci o mundo de Neil Gaiman em 2021 e desde então suas histórias que misturam fantasia e mundo real na medida certa sempre me agradam. Deuses Americanos foi uma das minhas novelas favoritas justamente por causa desse talento que o autor possui para entrelaçar crenças e lendas com a realidade até nos fazer questionar, e não seria possível que os deuses e deusas dos contos existam mesmo e estejam entre nós?

No livro acompanhamos a história de Shadow, um ex-presidiário que vê sua vida dar um giro 360 quando conhece o misterioso Senhor Wednesday, que lhe oferece um trabalho e, com ele, uma entrada ao universo de deuses e outros seres mitológicos. Porque sim, eles existem no mundo concreto e não só na imaginação das pessoas, e inclusive ganham força a partir da fé daqueles que ainda acreditam em seu poder. Muita aventura, plot twist e personagens que ora amamos, ora odiamos.

“Existem novos deuses crescendo nos Estados Unidos, apoiando-se em laços cada vez maiores de crenças: deuses de cartão de crédito e de auto-estrada, de internet e de telefone, de rádio, de hospital e de televisão, deuses de plástico, de bipe e de néon. Deuses orgulhosos, gordos e tolos, inchados por sua própria novidade e por sua própria importância. Eles sabem da nossa existência e tem medo de nós, e nos odeiam — disse Odin. — Vocês estão se enganando se acreditam que não. Eles vão nos destruir, se puderem. É hora de a gente se agrupar. É hora de agir.”

Objetos Cortantes, Gillian Flynn

Não tem jeito: como fã de carteirinha da Agatha Christie, histórias de mistério e policiais são meu ponto fraco. E essa é a especialidade de Gillian Flyn, que você talvez conheça pelo livro (ou filme) Garota Exemplar. Objetos Cortantes foi um dos primeiros livros que li no ano e que forma deliciosamente incômoda de estreiar as leituras de 2022!

Numa história sangrenta que fala sobre saúde mental, relações familiares e até alcoolismo, acompanhamos a trajetória da jornalista Camille que está em uma missão: desvendar e escrever sobre uma série de assassinatos de garotas que deixou sua cidade-natal em choque. Não é uma leitura leve. Pelo contrário, a sensação de horror e angústia estão garantidas. Mas se você gosta de resolver quebra-cabeças e teorizar sobre o que leva as pessoas a se comportarem de diferentes maneiras, é uma opção maravilhosa. Além de estar super bem-escrito e ter a quantidade certa de reviravoltas que não vão te deixar largar o livro antes de chegar no final.

“Tudo o que sei é que cortar me fazia sentir segura. Era prova. Pensamentos e palavras, capturados onde eu podia vê-los e rastreá-los. A verdade ardente em minha pele, em uma taquigrafia bizarra. A verdade, pungente, na minha pele, em uma transcrição monstruosa. Diga-me que você vai ao médico, e eu vou querer cortar alarmante no meu braço. Diga que você se apaixonou e eu marco os contornos de trágico sobre meu peito”. (tradução livre)

Kentukis, Samanta Schweblin

Kentukis encabeça a lista porque foi a leitura que mais me surpreendeu — e se tem algo que amo são os livros que me deixam de boca aberta. A trama gira em torno dos kentukis, uma espécie de bichinho virtual do futuro. No cenário criado pela autora argentina, as pessoas podem ser donas de kentukis ou ser os próprios animais de pelúcia, pequenos robôs que ganham o mundo como pets virtuais.

O livro traz relatos de homens, mulheres e até crianças vivendo os dois lados da moeda e como seus relacionamentos são impactados por essa forma tão digital de entrar em contato com outras realidades e pessoas. Ficção científica de primeira que se pararmos pra pensar não está assim tão distante de nós. Li esse livro e fiquei pensando: seria eu dona de um kentuki, ou preferiria ser um deles? O que me atrai mais, observar ou ser observada?

“Realmente havia mais pessoas interessadas em observar que em ser observada? Não fazia falta sofisticados estudos de mercado, Grigor podia chegar a suas próprias conclusões somente usando o sentido comum. Ainda que os prós e contras de elegir entre ser amo ou kentuki nunca deixassem muito claro as vantagens de cada lado. Poucas pessoas estavam dispostas a expor sua intimidade frente um desconhecido, e todo mundo adora observar”. (tradução livre)

E pra você, quais foram as leituras que te acompanharam no ano passado?

Obrigada por ler ❤ Se gostou, deixe seus aplausos 👏

Outras histórias e meu livro em: regianefolter.com 💛

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Written by Regiane Folter

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros

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