Dias de luto, noites de insônia

Já chorei o que tinha pra chorar, mas ainda não consigo dormir bem

Regiane Folter
3 min readMay 7, 2021

Há pouco mais de um mês minha tia Marlene morreu. Outra vítima da Covid, outra pessoa adicionada nessa lista de inumeráveis que já são mais de 400 mil brasileires. A tristeza dessa tragédia se torna muito mais profunda quando uma das perdas dessa lista é alguém que a gente leva no coração. Perdi minha tia e perdi meu rumo. Uma tristeza, um desânimo, e outros sentimentos assim, cinzentos e demandantes, tomaram conta de mim.

Porque a morte tem dessas coisas né, o efeito que ela causa em nós aparece em capas, como uma cebola: quando você consegue tirar uma, logo descobre outra embaixo, depois outra, mais outra, e assim sucessivamente.

A notícia da minha tia chegou com a capa do Choque. Aquela sensação de irrealidade, de que não, gente, não é possível. Se eu falei com ela agorinha, se a gente se viu nem faz tanto assim? Se ela tava bem, tinha tomado a primeira dose da vacina, tava vivendo a vida dela de boa, tão risonha e colorida como sempre foi? Como assim, já não é, já não está?

Depois, vem a capa da Depressão. A ideia de que a pessoa realmente partiu se assenta, afunda como uma âncora e leva a gente pra baixo com ela. Sofremos pela dor de saber que as últimas vezes que fizemos algo com essa pessoa foram as últimas mesmo e provavelmente poderiam ter sido melhores. Choramos pela angústia, pela raiva, pelo desconcerto. Pela perspectiva das saudades imensas e incuráveis que vamos sentir. Somos esmagados por uma tristeza tão grande que para qualquer lado que a gente olhe, só conseguimos vê-la. Não há espaço pra mais nada.

Continuando, nos deparamos com a capa do Fatalismo. Porque a morte de alguém nos faz reconhecer a nossa própria mortalidade e a das outras pessoas que amamos. Não somos eternos, nenhum de nós viverá para sempre. Hoje, foi a tia Ma. Amanhã, quem de nós? Tudo parece tão frágil, prestes a desabar… Duvidamos de nossas escolhas, de quem somos, de quem queremos ser. Será que não deveria estar fazendo mais, melhor, diferente? Porque o tempo é curto, a vida passa rápido, ontem minha tia estava contando meus dedinhos dos pés e das mãos no berçário, hoje já não posso escutar mais sua voz ou sentir seu toque.

Não estava preparada pra esse final.

Mas será que em algum momento estaremos? Será que em algum momento será mais fácil digerir todas essas capas e aceitar o fim com docilidade e resignação? Não sei. Todas as minhas perdas foram fortes demais, reais demais, devastadoras demais. Senti demais. Felizmente, esse sentir potenciado me deu forças pra continuar escavando e conhecendo mais capas, mais emoções, cada uma delas com algo pra me ensinar sobre mim e sobre ela, a dona Morte. A única certeza soberana que a gente tem nessa vida.

Ainda não terminei de descascar a morte da tia Ma. Ainda tenho capas desconhecidas pra descobrir e experimentar. Pode que ainda leve muitos dias e muitas noites, mas não vou parar. Vou devagarzinho, mas vou. Capa a capa, lembrança a lembrança, lágrima a lágrima. Até porque, de vez em quando surge sorriso, uma memória boa. Uma esperança de que com o tempo e me dando permissão pra viver meu luto como precisar viver, vou encontrar o âmago dessa cebola metafórica até não sobrar nenhuma outra capa além da Gratidão.

Obrigada por ler ❤ Se gostou, deixe seus aplausos 👏

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Regiane Folter

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros