Escutando meu lar

Demandas do coração, barriga, ombros e mandíbula

Regiane Folter
4 min readOct 11, 2020

Como comentei no post da semana passada, há umas semanas participei de um workshop de escrita com a poetisa Rupi Kaur. Adoração por essa mulher, gente!! Durante o workshop que ela deu em uma live no Instagram, a Rupi nos guiou por dois exercícios de escrita que além de dar uma ativada na criatividade também foram bem profundos (a la Rupi) e nos convidavam a uma linda reflexão. No post passado deixei meu texto fruto do primeiro exercício e aqui vai o segundo :D

Tenho um problema bastante recorrente na minha vida. Quando me jogo na rotina e no montão de sonhos que tenho pra realizar, algumas vezes deixo meu lar meio de lado. E não falo de roupa acumulada pra lavar ou dos pratos sujos na pia. Essas coisas não incomodam tanto. Falo de mim mesma, da minha casca e da minha essência, dos braços, pernas, pele, órgãos, alma. Falo da maquininha que me mantém ativa, caminhando, caminhando, caminhando… Existindo. Nosso corpo é nossa casa primária, mas eu me esqueço disso com muita frequência. Despriorizo minhas necessidades, deixo de escutar o que minha casa mais importante tem pra me dizer. E é assim que adoeço, sinto dores, me encontro presa a emoções cinzentas.

Quando percebo que estou novamente lidando com as consequências do meu esquecimento, fico irritada comigo mesma. Que frustrante é passar por essa situação de novo e de novo! Mas sei que o primeiro passo pra melhorar é me tratar com carinho e não me castigar. Respiro fundo, me abraço mentalmente. E só então parto pra ação.

Com os anos, desenvolvi algumas ferramentas para voltar a me conectar comigo mesma e dar aquela atenção especial que mereço e que só eu mesma posso me dar. Uma das formas de fazer isso é bem simples: se trata de somente escutar. Parar tudo, encontrar um lugar confortável, me sentar e fechar os olhos. Respiro fundo, deixo a respiração normalizar e espero a avalanche de pensamentos se tranquilizar. Devagarinho, vou me acalmando. Me embalo levemente e começo a escutar. Não o mundo lá fora, esse pode esperar. Me concentro em escutar o que as coisas aqui dentro têm pra me dizer.

Começo com o coração. Sinto cada batimento quietinho que no dia a dia quase não consigo ouvir e vejo como cada batida consegue ser ao mesmo tempo tímida, porém contundente. Forte, firme, ritmica. Meu coração nunca me falhou. É sua responsabilidade guiar essa sinfonia que é minha existência e mesmo quando todos os instrumentos estão desafinados e fora de lugar, o coração continua batendo sem cansar, sem parar, sem deixar uma só nota escapar. O seu retumbar é música na sua mais pura essência. Sem deixar de bater, meu coração me pede pra escutar a sua canção. É só isso que ele quer. Então eu escuto e me deixo fascinar pela beleza singela que aquela nota única tem. Uma composição simples e uniforme, que mantém tudo que sou funcionando. Agradeço mentalmente e prometo cuidar melhor dele.

Sigo em frente. Há muitas petições para ouvir! A seguinte é a barriga. Ela ruge mais alto que os outros, se aproveitando que tenho um pouco de fome para soar mais forte. Eu, pacientemente, escuto. No início, ela só reclama. Se queixa do meu pouco caso, do meu egoísmo. Das coisas pouco saudáveis que deixo entrar naquele oasis. Sei que ela tem razão e assinto. Isso acalma minha pança. Depois de extravasar todos as suas queixas, ela se tranquiliza e, num ronroneo, me pede pra vir bater papo mais seguido.

Os próximos que precisam me falar algo são meus ombros. Eles são gêmeos e, por isso, falam em uníssimo. É engraçado ver os dois sempre juntos, tranquilos ou estressados, relaxados ou contraídos, um a cópia do outro. Meus ombros me falam educadamente que gostariam de se estirar mais. Ultimamente estão carregando bastante peso e acham que merecem esses segundos de paz que somente um bom alongamente é capaz de gerar. Como resposta, levo minhas mãos para o alto e de braços erguidos tento tocar o teto. Meus ombros suspiram de prazer, contentes com essa resposta imediata, e fica tudo bem entre nós.

Logo depois sinto uma coceirinha debaixo do queixo e sei que agora é a vez da minha mandíbula, essa parte do corpo que mexo tanto entre conversas, leituras e até mesmo pensamentos que me fazem ranger os dentes. Já imagino o que ela vai me dizer; precisa de descanso, assim como os ombros. Precisa de momentos de paz, de silêncio. Mas não é que a danada me surpreende? Minha mandíbula diz que entende, que sabe que não é que eu quero ficar irritada ou preocupada, essas coisas são assim mesmo. Da mesma forma como sabe que para mim é importante falar, desabafar. Não, nada disso é um problema para a mandíbula. A única coisa que ela quer é que eu me lembre de sorrir mais. Ela só deseja trabalhar sua auto-estima e se sente mais bonita quando faço isso.

Entre lágrimas nos olhos e risadas, termino de escutar todas as coisas que meu corpo tem pra me dizer. Cada pedacinho meu fala comigo, me pede algo, me aconselha. Se sentem importantes com a minha atenção e eu me sinto privilegiada de ser formada por tantos pedacinhos incríveis e trabalhadores. Prometo a eles e prometo a mim mesma ser mais cuidadosa e atenta às suas variadas necessidades. E aproveito para agradecer pela morada linda que eles construíram para mim.

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Regiane Folter

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros