Exaustão

Me sinto perdida, drenada.

Regiane Folter
4 min readMar 18, 2022

Me sinto sem energia. Quase não tenho forças para continuar indo em frente. Até porque não vejo nada no caminho, só neblina. Mesmo assim, continuo arrastando os pés um atrás do outro de forma maquinal. Entrei no piloto-automático que me caracteriza, que me faz avançar em meio a uma rotina sem graça, sem cor. Falta inspiração, sobra fordismo. Uma coisa depois da outra, repetindo, repetindo, sem parar. Exausta, mas sem parar.

Porque se paro, vou começar a pensar. A revisitar cada um daqueles sonhos que não alcancei. A lamentar as oportunidades perdidas. A chorar pelo leite derramado. E tenho mais medo do arrependimento do que do cansaço. Então sigo andando, mesmo sem saber pra onde vou.

Às vezes desistir parece uma boa ideia. Já não tive o suficiente? Já não cheguei ao fundo do poço? Não será hora de deixar tudo pra lá e descansar? Mas falo de descansar de verdade. Desligar tudo, até o cérebro. Fecho os olhos por um segundo, sem parar de caminhar. A escuridão dos meus olhos fechados é mais acalentadora que o ar cinzento ao meu redor. Tropeço, quase caio. Melhor abrir os olhos. Não quero me esborrachar no chão — era o que faltava! Então percebo que não cheguei no fundo do poço. Sempre há algo que poderia ser pior. Sempre pode piorar.

Ou melhorar.

O pensamento surge espontâneo dentro de mim. Me espanto, porque há muito tempo não penso algo assim, otimista. Nem consigo me lembrar da última vez que me senti positiva. A neblina que envolve o mundo exterior é a mesma neblina que preenche minha mente. Nos últimos tempos tenho vivido entorpecida, apagada, sem muito controle ou força de vontade. Repetindo, repetindo, sem parar. Mas aquele pensamento novo acende uma luz em minha cabeça e me apego a ele com as poucas forças que me restam, como uma mariposa atraída por uma lâmpada. Poderia melhorar. É uma possibilidade, não é?

Penso que poderia parar de caminhar, me sentar tranquilamente e encarar aqueles pensamentos assustadores. Enfrentar meus dragões de uma vez por todas. Quem sabe assim eles param de me atormentar? Então faço isso. Lentamente, me sento no chão, como fazia quando era criança.

No começo, é difícil. Me concentro nas vozes amargas que carrego dentro de mim. Elas me culpam pela inércia, pela falta de propósito.

Desdenham da minha caminhada sem fim, sem rumo. Me dizem que deixei de lado o que era realmente importante e me entreguei, que me deixei levar e me esqueci do que queria para mim e para o mundo. Me acusam de ter me tornado um robô.

Elas falam e falam e falam e de repente se calam. Terminaram seu discurso e seu silêncio me enche de alívio. Meu rosto marcado pelas lágrimas relaxa pela primeira vez em séculos. Quando uma nova voz surge, reconheço compaixão nela. Ela me diz que, embora não possa voltar atrás e mudar as decisões que já tomei, ainda tenho tempo para fazer novas escolhas daqui pra frente. Percebo, surpresa, que essa voz soa igual às vozes irritadas de antes; e que todas elas soam como a minha.

Seco o rosto com a barra da camiseta, respiro fundo e digo para mim mesma que sinto muito. Que sei que falhei com elas, conosco. Mas que gostaria de tentar novamente. Tudo se aquieta dentro de mim e me sinto mais confiante. Quando me levanto do chão já não me sinto cansada. Uma energia que não sentia há tempos toma conta de mim e decido que não vou mais caminhar sem saber aonde estou indo; quero pensar meus passos e definir um trajeto que realmente faça sentido para mim. Sem medo de me perder ou me equivocar, mas consciente do que faço, aprendendo com meus erros até acertar.

Olho para os lados e vejo que a neblina que havia ao meu redor está se dissolvendo. Ao mesmo tempo que minha mente desperta e lembro de quem era e do que queria da vida, as sombras cinzentas que escondiam tudo à minha volta vão desaparecendo. Vejo a grama do chão, o azul do céu, a bola luminosa que é o sol, reconheço casas e pessoas. Sem saber como sei, percebo que a neblina saia de dentro de mim.

Sei que preciso dar o primeiro passo, mas tenho medo. Mesmo assim, nem penso em desistir agora. Já sei aonde quero ir pra recomeçar. Recuperar as rédeas da minha vida não vai ser fácil, e claro que isso assusta. Vou precisar abdicar de algumas certezas e me jogar no desconhecido para ir atrás daqueles velhos objetivos. Já me lembro deles. São tão fascinantes e coloridos como o mundo ao meu redor. Não sei se vou conseguir alcançá-los, mas não consigo pensar em nada mais terrível do que fingir que não existem.

Não quero voltar para a neblina. Munida de uma grande curiosidade e excitação pelo que virá, dou um passo e logo outro, depois outro mais. São passos firmes, um pouco contidos talvez, mas concretos. Passos de gente, não de robô. Passos de alguém que percebeu que o medo de falhar é menor do que o medo de uma vida sem sonhos.

Às vezes é preciso chegar perto do abismo para ver o que perdemos e recomeçar. Às vezes é até mesmo preciso caminhar até o fundo do abismo pra tomar impulso e escalar o caminho de volta.

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Regiane Folter

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros