Morte e esquecimento

Pessoas se vão, memórias se apagam

Regiane Folter
3 min readApr 14, 2023
Photo by Karl on Unsplash

Uma das consequências mais cruéis da morte é o esquecimento. Quando perdemos alguém, vamos esquecendo devagarinho. Não das coisas grandes, mas sim dos detalhes, das minúcias. Do jeito como ela arrumava o cabelo, ou da forma como ele gostava do café. Coisinhas assim que para o conjunto da obra parecem minúsculas, mas que machucam porque eram tão ela, porque eram tão dele.

E se eu for esquecendo, esquecendo, até não lembrar de mais nada? Ou, pior ainda, e se conseguir manter alguma recordação, mas que de tão distante pareça ser de um desconhecido? Alguém cuja cara não me é estranha, mas que na realidade já não conheço mais?

Um dia percebi que não me recordo de como era a voz do meu pai. O som com seus agudos e graves foi se esvanecendo da minha mente. Já não existe mais. E como ele se foi muito antes da gente ter os áudios do Whatsapp e outras facilidades da comunicação digital, não tenho nenhum registro para poder refrescar a memória.

Não é terrível esquecer algo tão único e profundo como a voz de alguém? Não sei mais reconhecer a forma como ele dizia “eu te amo” ou o barulho que fazia quando ria…

Assim como sua voz, outros detalhes foram desaparecendo com os anos. Já não me lembro como ele caminhava, abraçava, dançava, comia. Se agarrava o garfo com a mão direita ou com a esquerda. Se gostava da música alta ou baixinha. Se dirigia no limite da velocidade permitida ou se ia mais devagar.

Depois de mais de 15 anos sem ele, seu peso na minha mente é muito menor do que era antes. Sei que isso é natural, que o cérebro tinha que abrir espaço pra novas pessoas e acontecimentos. Eu segui em frente e com a caminhada outras memórias se tornaram mais significativas. Mas ainda assim me impressiono com essa praticidade fria, levando em consideração o tamanho do amor e admiração que sentia por meu pai.

Será que eu não deveria ter preservado melhor as lembranças? Não deveria ter construído um altar só pra ele nas minhas memórias? Não poderia ter guardado com mais cuidado cada detalhe, como os tesouros irrecuperáveis que são?

E será que é possível fazer isso?

Difícil dizer. Mas, pelas dúvidas, quando minha gatinha Amarela morreu há dois anos, eu fiz uma lista de todas as coisinhas adoráveis que ela fazia e de como era. Queria ter uma forma de voltar no tempo se a memória me traísse de novo.

Foi bom ter feito isso. Me senti mais tranquila, a dor suavizou um pouco.

Enfim, as memórias se apagam, as listas se perdem, as fotos emboloram. Tudo pode sumir, todas essas ferramentas são imprevisíveis. No final das contas, a única coisa que fica é a certeza de que aquela pessoa foi importante. Que deixou marcas, em sua maioria invisíveis, na pessoa que fui e em quem terminei me tornando.

Encontro conforto em saber que nos amamos e nos acompanhamos pelo tempo que deu. As coisas das que não me lembro hoje não importam tanto assim. Sei que ontem, eram grande porção do que eu pensava e sentia. E o ontem fez a diferença que me trouxe até aqui.

Obrigada por ler ❤ Se gostou, deixe seus aplausos 👏

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Written by Regiane Folter

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros

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