O tempo que temos

Quando alguém que você ama está morrendo, você presta atenção

Regiane Folter
3 min readFeb 4, 2022

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Quando alguém que você ama está morrendo, o tempo parece passar mais devagar. Cada dia é uma vitória, cada momento que seguimos acompanhados por esse amor é precioso. Observamos suas reações, seus altos e baixos, atentos ao que necessita, prontos para socorrer se preciso, torcendo com todas as nossas forças para que não seja necessário. Esperando, minuto a minuto, se vamos seguir juntas um minuto a mais.

Felizes por ver que esse amor está confortável, sem dor, sereno, apesar de tudo. Vivendo, apesar de tudo. Nossos olhos estão sempre atentos. Contemplamos sua fragilidade, suas expressões, suas atividades, e até seu sono, tratando de multiplicar as memórias. Agradecendo e pedindo mentalmente por um pouco mais de tempo.

Bom, se a gente for parar pra pensar, todos nós estamos morrendo, o tempo todo. Então essa sensação de estar no presente, desfrutando de cada momento, deveria ser regra, e não exceção. Só que muitas vezes só reagimos assim quando escutamos uma sentença, quando uma doença ou um acidente definem o tempo de quem amamos na Terra de uma maneira muito mais específica.

“Pode acontecer em questão de dias ou meses”.

“A expectativa de vida é de mais 5 anos”.

“É melhor você se despedir agora”.

Embora seja uma notícia triste, também nos ajuda a aprender algo valioso: a importância do estar. Nosso tempo nesse mundão, sejam dias, meses ou anos, sempre será curto demais. E passa rápido demais. Então alcançar a consciência de que estar com aqueles que amamos é uma benção com data de validade pode ser uma ferramenta incrivelmente poderosa. Uma ferramenta que nos ajuda a identificar o que realmente importa, que nos faz viver o hoje, sem preocupar-nos tanto com o passado, nem esperar ansiosamente pelo que ainda não aconteceu.

Quando alguém que você ama está morrendo, você para. Você finalmente para e presta atenção. Nem todo o tempo do mundo seria suficiente para absorver todo esse amor e o que ele representa. Não há tempo suficiente para memorizar os trejeitos, palavras, ideias, manias adoráveis e irritantes que fazem dele ou dela quem é. Não há outra opção, é preciso fazer o melhor que podemos com o tempo limitado que temos.

Escrevo isso e olho pra minha gatinha de estimação. Acompanho seus passos pela casa. Quero estar segura de que está comendo, de que não sente dor. E também quero sorrir vendo como brinca, se lambe, corre pela casa, salta no balcão da cozinha em busca de alguma guloseima. Assisto suas peripécias, e agradeço mentalmente por estar aqui, com ela. Também peço por mais tempo. Mas, pelas dúvidas, e porque sei que o tempo dela aqui é incerto, abro bem os olhos e continuo observando e amando tudo que ela é. Minuto a minuto.

Texto de maio de 2021.

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Regiane Folter

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros