Os cinco sentidos da infância
Sentindo tudo com tudo que éramos
MPB, samba. Aquele CD do Paulo Ricardo que escutávamos de novo e de novo cada vez que viajávamos. Barulho de carvão pegando fogo na churrasqueira. O som alto de quando mergulhávamos na piscina estilo bomba ou aquele bem baixinho quando simplesmente passávamos a mão pela água, boiando suavemente. A vinheta do Jornal Nacional quando nos sentávamos à mesa pra jantar. Passarinhos cantando, cachorros latindo. O farfalhar das folhas das árvores, o barulho seco de um coco quando despencava da palmeira.
Falando de coco, o cheiro da fruta aberta e sua cor, tão branca que parecia brilhar. O cheiro da água do coco no copo. Também sentíamos cheiro de pintanga madura, de acerola, de grama recém cortada, de cachorro molhado. De quadra de tênis quente do sol. Cloro de piscina, protetor solar, camiseta de algodão molhada. Cheiro de brigadeiro de colher, de arroz e feijão fumegando, de leite quente.
E o sabor dessas comilanças… Tudo que saía do fogão enchia a boca de água. No café, Nescau e pão francês. No almoço, receitas simples no dia a dia ou mais elaboradas no final de semana. No lanche da tarde podia ser fruta, pedaço de bolo de chocolate com aquela calda que escorria por nossas bochechas melequentas. Às vezes mingau ou pão de queijo. Na janta, normalmente lanche. Cachorro quente, bauru, pão com ovo, hamburguer.
A textura da mesa da cozinha, feita de tijolos e azulejos. Da cortina que escondia a estante alta e onde a gente gostava de se esconder. Tocávamos em tudo com nossas mãozinhas sempre mais sujas que limpas. O pelo enrolado dos cachorros, a pele cálida do abraço de mamãe, o frio da água do banho nos dias de muito calor. A aspereza dos livros antigos que ficavam na prateleira mais alta. As texturas mais diversas das plantas e flores que enchiam aquele jardim infinito.
Nossa casa era nosso pequeno castelo. Tínhamos bosque encantado, tínhamos lago cheio de sereias e piratas, tínhamos pista de corrida de fórmula 1, tínhamos casebre de bruxa e esconderijo de gigantes. Todas as paisagens que víamos nas histórias de contos de fadas ganhavam o mundo real em nossas brincadeiras e invenções. Vivíamos nossas próprias aventuras enquanto crescíamos rodeados de amor e cuidado.
Sentindo tudo com tudo que éramos. Aprendendo a sentir sem medo de nos machucar.
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