Passado revolto, presente calmaria
Uma história de amor labiríntica (como a vida é)
Nossa história não foi uma daquelas de “amor à primeira vista”. Mas não é por isso que não poderia ser uma história de “felizes para sempre”. Hoje em dia eu tenho minhas dúvidas sobre esses tipos de história, mas ainda assim decido acreditar na felicidade que só o amor pode proporcionar.
Às vezes, penso muito no começo do nosso namoro, e sinto uma certa nostalgia. Porque todos aqueles sentimentos, toda aquela intensidade, era tudo maravilhoso. Novo. Excitante. Assustador. E completamente oposto à história de amor que eu pensei que viveria quando encontrasse ELE. Sendo ELE com maiúscula o amor verdadeiro, a alma gêmea, essa pessoa que nasceu pra mim, e eu pra ele. Quanto compromisso, não é mesmo? Mas era assim que pensava, tinha uma obsessão por viver um conto de fadas.
Só que nem tudo que a gente espera é o que a gente precisa, e acho que as fadas se esqueceram de habitar o nosso conto. Se dou alguns passos previos e penso nos momentos anteriores ao nosso começo como casal (porque começar começamos mesmo antes, como desconhecidos, depois conhecidos que não se levavam muito bem, depois amigos e depois um emaranhado de emoções até virar o que somos hoje. E esses parênteses já ficaram grandes demais). Quando relembro àquela época, também sinto um pouco de vergonha.
Não foi o típico “era uma vez” das grandes histórias. Não houve um arrebatador primeiro cruzar de olhares, nossos corações não pararam de bater por segundos quando nos vimos pela primeira vez. Eu era só uma small town girl querendo conhecer o mundo e você era só um city boy cheio de sonhos. Ou algo assim.
Mas não é por isso que sinto vergonha. O que me deixa sem graça é lembrar de como eu não te via. Justo você, que hoje ocupa uma parte tão grande de qualquer visão que tenho, foi invisível para mim durante muito tempo. Era como se você tivesse posto a capa de invisibilidade da nossa história favorita, eu simplesmente não conseguia te ver. E mesmo passando tanto tempo juntos, eu não podia enxergar além daquilo que você representava pra mim naquele momento. Um colega de trabalho, nada mais.
Algumas vezes, porém, a capa escorregava, e eu te olhava com outro entendimento. E podia captar a imensidão incrível que você sempre foi. O bom humor, a amabilidade, a preocupação com os demais, a inteligência, a beleza, enfim. Lembro de sentir-me um pouco chocada. “Quem é esta pessoa?”, pensava, espantada. Maravilhada.
Me lembro de uma ocasião em particular em que te vi realmente. Essa é uma lembrança muito vívida e que dói como só as lembranças sobre o que nos arrependemos podem doer. Recém estávamos nos conhecendo e fomos até um restaurante. Haviam muitas pessoas com a gente, falávamos alto, brincávamos, ríamos nossas risadas frescas de jovens de 20 e poucos anos.
Nós dois nos sentamos em pontas distintas, não interatuávamos muito. Pedimos nossos tragos e nossa comida, e estava por isso mesmo. Até que, de repente, na meia luz do bar escuro, eu olhei pra você e me surpreendi. Lembro do seu rosto concentrado, do prato em frente, do movimento suave das suas mãos levado a comida até a boca. E naquele instante senti uma vontade louca de te abraçar.
É engraçado como às vezes a afeição por alguém flui assim, sem explicação, sem uma boa razão, e simplesmente sentimos aquele assomo de carinho. Somos preenchidos por essa emoção. Nessas horas, talvez o mais lindo seja ir até essa pessoa, abraçá-la e dizer o quanto é importante. Tristemente, poucas vezes nos deixamos levar por essa explosão de amor, e o impulso morre ali, dentro de nós.
Ao menos nessa lembrança minha, o impulso ficou somente dentro de mim. E por isso é uma memória que dói. Tanto tempo perdido… Foram meses assim, de ver e não ver. Esses momentos de visibilidade duravam pouco, ao menos no início. Logo você voltava a acomodar a capa, eu voltava ao meu “eu” cego, e tudo voltava ao normal. Você era você, eu era eu, e não havia “nós” nessa história.
Ainda bem que, sem perceber, o dia a dia e esses momentos de claridade foram moldando quem éramos e como nos sentíamos sobre nós mesmos. Com o tempo e a paciência dos amores por realizar-se, os sorrisos que trocávamos foram ficando maiores, os toques mais persistentes, as conversas mais profundas. Um dia, decidimos provar se o “nós” era uma possibilidade. Tínhamos medos, dúvidas. Nosso princípio foi tempestuoso, passamos perto de abismos. Foi difícil, porque no mundo real até almas gêmeas podem se confundir. Pensávamos em quem éramos, em quem seríamos, tínhamos medo de arrepender-nos das nossas renúncias. Mas a realidade é que o único arrependimento que tivemos terminou sendo não estar juntos antes. E foi assim que não nos permitimos cair. Não soltamos as mãos.
Hoje, as coisas se estabilizaram, e toda essa confusão é só memória. Fomos solidificando essa relação com decisões que hoje são memórias. Cada passo, cada abraço, cada partezinha do que somos tem sua própria história, seus arranhões, seus momentos de glória. E embora pouco perfeita, é uma história real.
Lembra de quando você era só você, eu era só eu, e éramos assim no singular tão mais chatos? Algumas lembranças ainda doem, mas sabemos que o que passou, passou. Não volta mais. E a única possibilidade que nos resta é enfocar-nos em criar lembranças que nos façam sorrir e que eclipsem as memórias mais tristonhas. Afinal de contas, ao virar “nós”, juntamos forças, ideias e vontades para correr atrás do “felizes para sempre” em dobro.
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