Pedaços de autoconhecimento
Colecionando peças do quebra-cabeça que sou
Aquela hora da tarde quando todos se recolhem para descansar depois do almoço é o momento em que me sinto mais só. Sou a única que não consegue dormir durante o dia, tanta luminosidade me causa pesadelos que parecem reais demais. Estremeço quando chega a hora. Me dá medo ficar tão sozinha com meus pensamentos, mas também é, de certa forma, libertador. Posso ser e pensar o que quiser, sem ninguém para me interromper ou questionar. Há liberdade mais aterradora do que essa?
O que serei capaz de pensar, sem freios, sem amarras? Algo completamente despropositado, terrível visão sobre minha vida, sobre quem sou ou quem não sou? Ou será que terei pensamentos completamente banais e irrisórios, tão simplórios que me farão ter vergonha de mim mesma?
Às vezes, finjo dormir só pra não ter que pensar. Esse deve ser a única ocasião em que prefiro viver com a dúvida do que com a verdade.
Mudo tanto, o tempo todo. Quero fazer unhas, logo quero escutar música, então surge a vontade de dançar, depois anseio pelo silêncio, em seguida por um bom livro, até que percebo que tenho fome, não, sede, não fome de algo doce, ou melhor salgado? Não consigo me decidir então como as duas coisas e fico empanturrada, cansada, sonolenta, mas não consigo dormir porque há tanto por fazer! Posso limpar aquela gaveta abarrotada, ou posso ver um filme, ou ligar para a mamãe, ou sair pra caminhar, ou brincar com o gato, ou o que mais, o que mais pode ocupar minha atenção e minhas mãos inquietas? Tantas coisas chamam a minha atenção o tempo todo, tantas coisas parecem interessantes e divertidas e irremediavelmente atraentes. Como escolher? Termino escolhendo, porque não tenho outro remédio, mas imagino que divertido seria poder estar em dois lugares ao mesmo tempo, ou três, ou quatro, ou quem sabe quantos, fazendo e sendo tudo que uma só existência não parece comportar.
Na série que estamos vendo o personagem principal sempre diz que “as pessoas não mudam” e acho que discordo, porque me vejo em uma constante transformação. Ou talvez ele tenha razão e meu estado de movimento frequente seja a minha realidade, a minha zona de conforto, o meu vício, aquilo do que não consigo escapar. É fácil pra mim ser assim, é a minha natureza. Talvez a real mudança somente ocorreria se eu finalmente parasse, se pudesse evitar saltar de plano em plano, atividade em atividade, desejo em desejo. E seria eu capaz de deixar tudo, parar tudo, ficar completamente imóvel, simplesmente existindo, sem pensar, querer, fazer, provar?
Não. Não acredito que possa entrar nesse estado inanimado, não com essa mente que não para de girar e esse coração que não para de bater emocionado frente a todas as expectativas maravilhosas e coloridas que me rodeiam.
Sou muito exigente comigo mesma, o que me faz nunca estar completamente satisfeita com a pessoa que sou. Sempre quero ser mais, melhor. Sempre estou pensando na próxima aresta para afinar, o próximo galho fora de lugar para podar.
Me incomoda minha ansiedade, minha mania de querer controlar tudo, incluindo o meu destino. Como uma vidente frustrada que realmente acredita que pode não só prever o que o futuro reserva, mas também moldá-lo. Me incomoda como essa ansiedade me faz comer exageradamente, incluindo minha própria pelinha ao redor das unhas. Me incomoda essa necessidade por movimento que faz com que seja difícil ficar parada, quietinha, serena.
Do que tenho medo? Do que posso chegar a pensar se não estiver me ocupando com trezentas coisas ao mesmo tempo?
Me incomoda saber que sou uma pessoa fechada e que não consigo me abrir com a facilidade que gostaria. Às vezes me sinto apriosionada em mim, sem força para gritar e pedir a ajuda que tão desesperadamente preciso. Sem valentia para romper com essa visão de perfeição que insisto em usar como uma capa para o mundo exterior. Como se pedir ajuda fosse sinônimo de fraqueza. Como se necessitar retomar o fôlego fosse algo do que deveria sentir vergonha.
Me incomoda todo esse autoconhecimento que não leva a nada. Queria acelerar meu tempo como lagarta e virar borboleta de uma vez. Me esqueço que levo anos sendo muitas dessas coisas e que somente alguns anos de terapia e resoluções não são suficientes para construir o casulo e renascer com toda a pompa e circunstância. Ainda tenho muito por aprender e por desaprender, incluindo o fato de que sou humana, não inseto, e que minha transformação é muito mais complexa, lenta e repetitiva do que a dos nossos colegas com asas.
Pensando nisso, acho que deveria me tratar com mais humanidade. Com mais paciência e compaixão. Reconhecer mais o caminho que percorri pra chegar até aqui. Aceitar os tropeços que dei e os machucados que sofri sem querer. Gostaria de me sentir mais orgulhosa de tudo que já consegui superar e do meu foco em continuar superando. Gostaria de me querer bem, um pouquinho mais.
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