Um papinho com a inveja

“Quem não gostaria de estar no lugar deles?”

Regiane Folter
4 min readMay 16, 2024
Photo by Towfiqu barbhuiya on Unsplash

Acabo de chegar em casa. São quatro da tarde de um sábado e estou suada, mas feliz. O calorzinho parece estar voltando pra essas bandas, amém! Tive que dar umas voltas hoje, e entre minhas tarefas estava repor o estoque do meu livro AmoreZ em um café onde artistas deixam seus trabalhos pra vender. A “tiendita” (ou lojinha) desse café é um sucesso e é, de longe, o lugar onde mais vendas tive desde que coloquei o AmoreZ no mundo. De vez em quando passo por lá pra receber pelas vendas realizadas e deixar mais exemplares.

Me faz feliz sair de lá com algumas notas a mais na carteira, não tanto pelo valor que possuem, mas pelo que representam. Meu trabalho está chegando em novos lares, sendo lido por novos olhos. Pessoas que nem imagino quem são possuem meu nome em suas bibliotecas. É gostoso.

Ao mesmo tempo, essa sensação de orgulho pode se esfumar com muita facilidade. Basta uma visitinha ao Instagram para que minha confiança em mim mesma fique abalada. Por todos lados vejo pessoas que parecem muito mais bem-sucedidas que eu na carreira da escritura. Pessoas mais jovens, inclusive, que parecem estar a anos-luz de distância de mim. Gente ganhando prêmio, publicando livro novo, lançando curso, vencendo.

Por um lado, me sinto culpada por essa inveja, essa sensação de desejo, de que queria ser eu naqueles posts, compartilhando aquelas vitórias. Por outro, penso que nunca poderia ser eu, afinal sou somente uma autora medíocre. Não tenho o aval de grandes editoras, não possuo milhares de estrelas na Amazon, nem downloads na casa dos quatro ou mais dígitos no kindle. Não dá nem pra pagar as contas com a quantidade de livros que vendo.

Eu sei, eu sei… Entro no modo autocomiseração em seu nível mais ridículo.

Depois de um tempo passeando pelos posts que me deixam verde de inveja, eu tomo a decisão madura e consciente de parar. Simplesmente parar. Deixar o celular de lado, respirar fundo, fazer outra coisa. Ou não fazer nada e somente pensar, mas pensar com carinho e não com desprezo.

Primeiro, aceito o sentimento que surgiu. Sei que essa invejinha safada também deixa lugar pra alegria que sinto pelas pessoas queridas que estão conseguindo seus sonhos com a escrita. Não quero mandar energia negativa pra ninguém, então me concentro nessa alegria pelo outro, pela outra. Repito mentalmente que a única forma de lidar com a inveja é não me envergonhar dela.

Pelo contrário. Começamos um bate-papo animado em minha mente. Eu, realista, consciente, paciente; minha inveja, apressada, emocionada, sonhadora.

“Por que não nós?”

“Por que sim nós? E todas as coisas que já conseguimos?”

“Mas olha Fulana ou Beltrano…”

“Olhar o que? Eles são eles, nós somos nós…”

“Mas você não gostaria de estar no lugar deles?”

“Acho que seria bacana ter esse reconhecimento, sim. Mas de aí a estar no lugar deles? Não sei bem.”

“Como assim?? Quem não gostaria de estar no lugar deles?!”

“Talvez eles. Já parou pra pensar que não sabemos nada de suas vidas? Do que passaram, do que sofreram?”

“Bom, não…”

“E já pensou que se estivéssemos no lugar deles, talvez nunca tivéssemos vivido as coisas que vivemos? As difíceis, que nos moldaram, nem as boas, que nos motivaram?”

“Pensando por esse lado…”

“Além do que, quem disse que nunca vamos conseguir coisas tão maravilhosas ou mais? Escrever não tem data de validade.”

A inveja resmunga um pouco mais, mas termina concordando. Nós duas sabemos que comparar existências distintas não possui nenhum tipo de sentido. A única coisa que podemos medir é o caminho que nós mesmas trilhamos e sentir o poder que essa jornada tem.

Talvez nunca ganhe um prêmio, talvez nunca venda milhares de examplares, nem esteja nas casas de pessoas de todo o mundo. Mas hoje sei com certeza que os poucos livrinhos que deixei lá no café mais cedo vão encontrar seus lares e que ao menos essas poucas pessoas que conhecerem minhas palavras serão tocadas por elas.

A firmeza desse pensamento me enche de satisfação. Me permito ser feliz com a certeza de que nunca vou deixar de escrever e de me sentir conectada comigo mesma e com os demais por meio do que escrevo.

Obrigada por ler ❤ Se gostou, deixe alguns aplausos 👏

Outras histórias e meus livros em: regianefolter.com 💛

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Written by Regiane Folter

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros

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