Abraçar meu jeito do jeito que é
Por fora, dizem que ela é luz. Só ela sabe que por dentro é pura escuridão

No que é luz, ela se encontra e se aceita. Nas ideias malucas, no sorriso fácil. Em ver beleza em todos os lados. Em jogar conversa fora. Em fazer um bom trabalho ou ler um bom livro. No que é luz, ela se propaga, se expande, se deleita. Na sua luz, ela se sente plena.
Nesses momentos, ela está tão feliz que não precisa parar para refletir ou rabiscar palavras num pedaço de papel. Sentir basta. Somente quando se depara com os poços negros dentro de si é que ela realmente precisa parar para escrever. É a sua terapia.
Suas escuridões são coisas que a assustam, que a fazem temer, perder o sono, ganhar olheiras, comer cutícula. Na escuridão que carrega dentro de si ela se sente fraca, alvo fácil, orgulho ferido. O que está dentro do escuro parece espreitar, esperar por um momento para atacá-la e ela não sabe se poderá se defender. O único que consegue fazer tragada na escuridão é pensar, pensar, pensar, pensar, pensar…
O mais curioso é que ela tem medo de algo etéreo, pouco concreto. Ela tem medo de algo que não pode ver, ela teme a surpresa que a escuridão carrega. Seus sustos vem de uma expectativa muito pessimista do inesperado. Mas no final das contas, o escuro é somente ausência de luz — e por mais que quando crianças pensemos o contrário, nem toda escuridão esconde um bicho papão.
Porque será que ela sempre se esquece de usar sua luz para iluminar os pontinhos negros e permitir-se ver?
Será somente medo do que pode encontrar?
Ou será que ela pensa que os focos de luz não vão ser páreo para tanta desesperança?
Um dia, corajosa, ela vai provar. Vai abrir uma pequena aresta na parte mais escondida do calabouço e vai deixar um feixe de luz entrar. Vai se forçar a sorrir e abrir a porta, com medo mesmo.
Eu acredito que quando ela fizer isso, quando os raios encherem aquelas ideias mofadas, quando todo o negrume que antes parecia infinito se desfizer perante tamanha claridade, ela vai perceber num misto de emoção e surpresa que a escuridão não abrigava nenhum monstro. Dentro do escuro estavam somente pedaços dela, cicatrizes que carrega desde que nasceu. São suas limitações, suas manias, seus vícios. É aquilo que ela não soube fazer, as vezes que não soube brigar, as pessoas que ela quis afastar e não pode. São as verdades que ela nunca falou. Tudo que queria ser, mas não é.
Somente aí ela vai entender que o que ela temia não era nada além dela mesma.
E se é dela, ela pode mudar.
O primeiro passo é deixar de chamar “fraquezas”
esses aspectos nossos que não nos agradam. Afinal, se algo está em nós, é por alguma razão. Tem sua função. Somos retalhos, um conjunto sempre em ebulição de ideias, crenças, valores, jeitos. Coisas que gostamos de ser, coisas que não. Luz e escuridão. Cada vez que nos forçamos a enxergar o que está no escuro, cada vez que temos um olhar para as características que tentamos varrer pra debaixo do tapete, a luz fica um pouquinho mais forte e o que antes era tormenta se torna aceitação.
A luz se propaga e nos permite encarar as coisas com mais serenidade. Não é uma questão de transformar o que somos, de eclipsar nossas maneiras e contornos para moldar-nos a algum estado ideal. Isso não é possível, a perfeição não existe. Não, a luz — que representa o que temos de mais querido, nossos tesouros e talentos — vai somente iluminar o que nos recusávamos a ver. Vai aquecer nossas ideias, mostrar a realidade e guiar-nos até o entendimento.
Ver e entender quem somos, como somos,
com nossas montanhas, declives e todas as demais particularidades que pulsam a cada segundo que estamos vivos, é fundamental. Assim como é fundamental reconhecer que tudo o que somos têm uma função. Cada um, à sua maneira, só pode existir porque o conjunto existe. Só podemos ser o que amamos porque nosso conjunto é o que é. Não poderia haver luz sem escuridão.
Ela não poderia ter o sorriso que tanto gosta de dar se não tivesse chorado pelo caminho.
O próximo passo é abraçar. Abraçamos aqueles que consideramos nossos defeitos, os convidamos a entrar, pedimos que se sintam em casa. Paramos de esconde-los no sótão e preparamos seu lugar no todo. É um ato de puro amor-próprio o de deixar os remordimentos de lado e começar a encará-los como oportunidades.
Escondidos em sua escuridão talvez estejam sua ansiedade, seu medo de confrontos, sua insistência em agradar a todos o tempo todo. Talvez, depois de apenas alguns minutos de luz, ela descubra em cada uma dessas características algo positivo para aplicar. Maneiras de direcionar seu foco e mudar a perspectiva. Obter novos resultados.
Que a ansiedade seja seu motor para realizar coisas incríveis.
Que o medo do confronto a ajude a ser mais assertiva.
Que na busca por agradar a todos ela aprenda a agradar a si mesma.
Cada pedacinho, antes pura escuridão, irá conhecendo assim novas cores. Passarão da noite fechada a uma penumbra de descobertas que no dia de amanhã será mais uma fonte de luz.
E o que mais é viver além do contínuo exercício de descobrir nossos recantos escuros e aprender a iluminá-los?
Obrigada por ler ❤ Se gostou, deixe alguns aplausos 👏
Outras histórias e meus livros em: regianefolter.com 💛