Tentando não me perder de mim mesma

Às vezes me perco de mim. É uma sensação curiosa.

Regiane Folter
3 min readSep 11, 2020

Sinto que estou presente, mas não muito. Sinto o ar entrar e sair, me mexo, vejo o mundo e até mesmo escuto minha voz interagindo com ele. Mas observo tudo isso como se fosse uma terceira pessoa, desconectada da cena. Como se meu cérebro estivesse entorpecido e todas as minhas ações fossem fruto de um piloto automático. Como se não fosse eu ali, 100% eu, presente de corpo e alma.

50% corpo, 0% alma fazendo por fazer, no automático, sem sentir, nem pensar.

Você já se sentiu assim?

A esse fenômeno dei o nome de “me perder de mim mesma” e depois de tanto tempo vivendo o fato em questão comecei a teorizar quais seriam as suas causas. Por um lado, a perda costuma acontecer quando entro no modo multitasking. Tenho uma tendência chatinha de acumular sonhos e tarefas (que são passos para chegar aos sonhos, não é mesmo?). Então às vezes to vivendo, tudo bem, tudo em ordem QUANDO DE REPENTE me vejo em mil coisas, com mil reuniões e projetos, datas de entrega e responsabilidades que enchem a agenda. Nesses momentos acredito que meu corpo pressente o perigo e instaura alerta vermelho para preservar minha energia física e mental. Assim, o senhor cérebro ativa o famoso piloto automático que mencionei antes. Tudo isso para me resguardar do turbilhão de coisas para fazer.

Em outras ocasiões me perco de uma forma mais pró-ativa, simplesmente porque quero evitar ter muita consciência em determinada situação. Quando acontece algo ruim e prevejo dificuldades no meu caminho, ativo uma negação básica e prefiro sair da estrada para não encarar o que vem na minha direção. Para não sofrer. (In)conscientemente me entrego a uma agradável névoa, me deixo conduzir. Pensar menos resulta saber menos. Entender pouco e nada. Esquecer, quase, do que me causa dor. Então somente existo.

Qualquer que seja o motivo que me leva a me perder de mim mesma, a sensação é de que me divido em duas. Uma sou eu, a versão perdida, confusa e com a cabeça nas nuvens; a outra é uma cópia quase perfeita que soa como eu e parece comigo, mas não possui meu coração. Só quem me conhece muito bem poderia reconhecer a diferença.

Ambas co-existem em mim. Às vezes estou no comando, às vezes trocamos. E a troca tem seu lado bom também, não posso negar. Me perco e de certa maneira relaxo, me entrego, abro mão. A outra, a cópia, é tão eficiente quanto eu, ou até mais. E sua falta de apego ajuda a suavizar as emoções dolorosas.

Porém, se passo muito tempo perdida, começo a sentir saudade. Fico toda nostálgica, lembrando de como é bom sentir o vento suave que vem do mar ou o toque carinhoso daqueles que amo, ver as palavras que ganham significados diversos dentro de um livro, escutar o som de uma risada... Sinto saudades de vivenciar todas essas coisas, com todos os meus cinco sentidos. Percebo que preciso sair da bolha e voltar pra mim. Voltar pra casa.

Me perco quando preciso me resguardar, mas retorno quando preciso sentir. Porque por mais difícil que sejam algumas decisões que tomamos ou coisas que acontecem conosco, sentir ainda é a melhor maneira de começar a entender algo para mudá-lo.

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Regiane Folter

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros