Se esquecer de novo, escreva

“Writing is an emotional journey”. “Writing is living”.

Regiane Folter
3 min readOct 2, 2020
https://rupikaur.com/photo-album/

Essas são frases da poetisa Rupi Kaur que eu amo de paixão e que escutei dela mesma durante uma live no seu Instagram. A Rupi fez essa live para compartilhar com seus seguidores e seguidoras o seu novo livro, Home Body. Durante a live ela também nos convidou a escrever, utilizando como inspiração alguns prompts que ela mesma usa pra despertar a criatividade.

No primeiro exercício de escrita ela pediu pra gente fechar os olhos e se imaginar entrando em uma sala e nos encontrando com nós mesmos. A Rupi foi guiando a nossa imaginação com perguntas sobre como era essa nossa outra versão e como interagíamos. Foi incrível e me fez refletir sobre coisas que eu já sei sobre mim, mas que finjo esquecer na correria do dia a dia.

Queria compartilhar aqui o meu texto que nasceu desse exercício deli:

Olho para mim mesma e vejo como os olhos dela (os meus olhos) se mexem rapidamente. Rápido demais. Ela olha para algo e dois segundos depois já está observando outra coisa. O azul brinca de ciranda dentro do branco do olho, vai pra lá, vem pra cá. Agitado, inquieto. Inquieta. Somos assim em tudo que fazemos.

Nossas roupas são idênticas. Se eu não estendesse a mão e sentisse sua pele pensaria que estava diante de um espelho. Mas ela não é fria como vidro, ela é quente, de carne e osso. As duas vestimos a mesma legging preta, comum e confortável. Moletom preto também, velho, mas gostosinho de usar. Abraça meu (nosso) corpo. Tênis cinzento e esburcacado, tão querido quanto o agasalho. Reparo que ando usando cores neutras ultimamente. Preto, cinza, branco. Pouco colorido.

Agora que olho bem, ela parece um pouquinho mais jovem que eu. Mas minha intuição me diz que temos a mesma idade. Chego à conclusão de que ela é a versão que todos vêm, a que aparece para o mundo, enquanto eu sou a versão interna, a que somente nós duas conhecemos. A que se sente cansada.

A mulher na minha frente finalmente para de catalogar com os olhos todas as coisas do ambiente ao nosso redor e se concentra só em mim. E diz:

- Tranquila. Pode serenar. Pode deixar algo inacabado. Pode parar e continuar depois. Pode respirar. Dá tempo de respirar.

A voz dela é a minha voz. Respiramos fundo juntas, contando até 10. Seguro a mão dela e falo:

- Às vezes me esqueço de respirar.

Mas ela já sabe disso e somente sorrir. Continuamos a inspirar e expirar juntas por um tempinho em movimentos gêmeos.

O lugar ao nosso redor é totalmente desconhecido. Não sei onde estamos e nem quero descobrir. Só reparo nela, nada além dela. Além de mim. Me sinto bem ali, acolhida. As nossas mãos juntas, aquecidas, propagam essa sensação de lar.

De repente, sinto que preciso ir embora, mas tenho medo. Não quero deixá-la ali, deixar-me ali, e me sentir assim perdida, sozinha, desamparada. Tenho medo de esquecer de respirar novamente sem ela pra me lembrar.

Mas então caio em mim de que é impossível deixá-la. Nunca estaremos sozinhas. Ela sou eu, eu sou ela. Aquele encontro poderia se repetir todas as vezes que precisássemos. Era só fechar os olhos e me deixar levar. Minha intuição sempre me conduziria até ela. Até nós.

Nos abraçamos, emocionadas. É hora de ir. Num sussurro, lhe digo:

- Não vou mais esquecer.

- Anota na agenda! — brinca ela. Ambas estamos rindo. Antes de me soltar, ela coloca algo em minhas mãos. Não sei bem o que é e não me preocupo em olhar até sair daquele lugar. A luz forte do mundo real me cega por instantes e preciso de alguns segundos para me orientar. Quando me sinto mais estável, abro a mão e vejo um pequeno lápis. Ela não precisava me explicar o que era aquele presente, eu já sabia.

Se esquecer de novo, escreva.

Escrevi outro texto inspirado pelo workshop da Rupi, dá uma olhadinha lá :D

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Regiane Folter

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros